A conta ‘Filmes Brasileiros Completos’ reúne obras em boa qualidade e gera polêmica.
O nome de um dos mais novos canais brasileiros no YouTube já é chamativo: “Filmes Brasileiros Completos”. Lá, estão disponíveis, hoje, 133 produções nacionais de vários gêneros e épocas. Todas de graça. Há documentários premiados, como “Lixo extraordinário” e “Uma noite em 67”, blockbusters como “Tropa de elite 2” e “Carandiru”, e raridades como “Vidas secas” e “A hora e a vez de Augusto Matraga”. Só que há também um problema quanto aos filmes do canal: nenhum deles teve autorização dos titulares dos direitos autorais para estarem na internet.
O canal foi criado no início desta semana e já tem 174 horas de filmes nacionais. Seu proprietário é o bacharel em filosofia Eduardo Carli, autor de blogs sobre música e cinema, que vive em Goiânia. Eduardo, porém, não foi responsável por nenhum dos uploads dos filmes: o que ele fez foi simplesmente reunir num mesmo lugar um material que já estava no YouTube.
— Tive a idéia de agregar os filmes brasileiros que já caíram no YouTube quando procurava por “Deus e o Diabo na Terra do Sol” para escrever sobre o filme. Para quem é jornalista cultural ou crítico de arte agindo na blogosfera, este material é uma mão na roda: permite não só o acesso rápido e preciso a certas cenas chaves que se quer rever ou estudar em minúcia, como também abre a possibilidade de oferecer ao leitor a possibilidade de julgar a obra por ele mesmo — diz Eduardo Carli. — Creio que os fóruns virtuais de discussão de cinema têm muito a se beneficiar com a disponibilidade desse riquíssimo material. Há muitas obras que são de difícil acesso, mas de importância histórica seminal.
O que realmente mais impressiona na lista do “Filmes Brasileiros Completos” são as obras raras, que não estão disponíveis nem em DVD. “A hora e a vez de Augusto Matraga”, de Roberto Santos, por exemplo, foi uma adaptação de sucesso da obra de Guimarães Rosa, mas o acesso a uma cópia do filme hoje é praticamente impossível. O canal também tem uma versão na íntegra de “Cabra marcado para morrer” (1984), de Eduardo Coutinho, outro que não foi lançado em DVD e que não se encontra por aí nas locadoras.
Por outro lado, o canal também tem disponíveis obras mais recentes, cujos DVDs acabaram de ser lançados. É o caso de “Xingu”, de Cao Hamburger, e “Paraísos artificiais”, de Marcos Prado, dois filmes que chegaram aos cinemas este ano. A rápida repercussão do canal fez com que Eduardo Carli criasse outra lista, esta dedicada a filmes estrangeiros, onde estão listados obras de Ingmar Bergman (“Persona), Luis Buñuel (“O anjo exterminador”), Gus Van Sant (“Elefante”), Akira Kurosawa (“Rashomon”) e Abbas Kiarostami (“Close-up”), entre outros, num total de 103 produções.
— Ainda não estou convencido que a pirataria é todo este bicho de sete cabeças em relação aos lucros dos grandes estúdios: me pergunto se “Avatar” ou “O Cavaleiro das Trevas” geram menos ganhos financeiros por causa das cópias que circulam na Internet, ou se justamente este troca-troca cibernético frenético não seria justamente um dos fatores sociológicos que explica o poder de penetração que essas obras têm junto às massas — diz Carli.
O Google, empresa que responde pelo YouTube, afirma não ter como verificar a autoria de todo o conteúdo dos vídeos enviados por seus usuários, mas mantém um programa de notificação de violação de direitos autorais, onde o responsável pelo filme pode exigir que ele seja retirado do ar. Ainda segundo a empresa, assim que a não autenticidade do conteúdo é verificada, o vídeo é removido. Em nota, o Google acrescenta: “O YouTube não é o responsável pelos vídeos publicados na Internet, oferecendo apenas uma plataforma tecnológica sobre a qual milhões de pessoas criam e compartilham seus próprios conteúdos. O Google acredita que essa liberdade de expressão é um dos fatores que tornam a Internet tão rica e útil para a sociedade. Os casos de uso indevido dessa liberdade, como material com copyright, são punidos com a remoção dos conteúdos ilegais identificados e sinalizados pelo dono de seus direitos, mas o Google não exerce controle prévio sobre os conteúdos criados pelos usuários nem fará o papel de polícia ou de juiz em relação a eles”.
Mas tudo depende de o proprietário do direito autoral se mexer. O documentário “Simonal — Ninguém sabe o duro que dei” (2009), de Micael Langer, Calvito Leal e Cláudio Manoel, está na íntegra no Youtube desde 9 de abril de 2009 e já foi assistido 8.045 vezes.
— O nome disso é pirataria, não tem outra explicação. Quem faz isso é um ladrão — diz Bruno Wainer, diretor da Downtown Filmes, empresa que distribuiu no Brasil obras como “Xingu”, “Lixo extraordinário”, “Nome próprio”, “Meu nome não é Johnny”, “Lula — O filho do Brasil” e “Salve geral”, todos disponíveis no canal do YouTube. — Nós tentamos sempre verificar o que entra no site, e notificamos a empresa para que seja retirado do ar. Se houver um meio virtual de dar ao público acesso a um conteúdo, grátis ou pagando, é bacana. Mas todos esses conteúdos têm dono, e esse conteúdo só pode estar lá com autorização do dono.
A legislação brasileira é tão rígida quanto à reprodução de obras audiovisuais que, no texto atual, um professor não pode exibir um filme na íntegra em sala de aula. Segundo o advogado Daniel Campello Queiroz, nem mesmo a exibição de obras sem intuito de lucro é permitida.
— Existe uma discussão no meio se o YouTube seria um site de reprodução ou de execução pública. Se for execução pública, não é necessário autorização, mas deveria haver um órgão para recolher direitos autorais, como o Ecad faz com a música. Hoje, não há este órgão para o cinema — diz Campello Queiroz. — Já caso seja encarado como reprodução, que é a maneira que eu enxergo o Youtube, é necessário ter autorização do titular para inserir qualquer obra lá. Outra questão é que disponibilizar esses filmes afeta a concorrência. Enquanto o filme está à venda em DVD, o cara coloca ele de graça na internet, sem que seja necessário pagamento.
Eduardo Carli, por sua vez, espera que o canal levante uma discussão sobre o acesso de obras brasileiras.
— Ainda que consciente de toda a polêmica em relação à infração dos direitos autorais, enxergo a questão mais pelo viés de um potencial positivo das novas tecnologias no sentido da democratização do acesso à produção artística brasileira, do passado e do presente, tornando acessível a multidões uma fantástica biblioteca multimídia que informa, comove, questiona. É o Brasil em uma de suas dimensões mais notáveis, a da criação cinematográfica, mais acessível aos brasileiros — diz Carli.
* Fonte: Globo.com
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