“Por volta das 2:30 da manhã de domingo, 27 de janeiro de 2013, um incêndio de proporções trágicas dominou uma boate na cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul, e clamou a vida de centenas de pessoas.”

No mesmo dia, enquanto as famílias ainda iniciavam o doloroso processo de luto, a força da comunicação já havia viabilizado não apenas a disseminação do fato como também a mudança de toda uma sociedade.

Cronologia de uma mudança social

1. Quase que instantaneamente após o incêndio, posts inundaram redes como Twitter e Facebook, somando um total de 70 mil menções apenas no domingo do incidente – sem contar cliques em “curtir” (palavra pouco adequada à ocasião, diga-se de passagem) e compartilhamentos.  Apenas para citar um exemplo, a soma de cliques em “curtir” e “compartilhar” em um poema do gaúcho Fabrício Carpinejar somou mais de 300 mil.

2. A tsunami de menções nas redes sociais ultrapassou as fronteiras do anonimato e chegou à imprensa rapidamente, gerando postagens em todos os portais brasileiros e em veículos internacionais, como NY Times, BBC, El País, Clarin e Al Jazeera.

3. A cada notícia postada, mais menções apareciam nas redes sociais, fazendo termos como #nightclub e Santa Maria chegarem aos Trending Topics do Twitter.

4. Os minutos seguintes testemunharam manifestações de apoio e solidariedade por parte de personalidades de todos os tipos – de Lady Gaga a Germano Rigotto, ex-governador do RS, passando ainda pela Presidenta Dilma, que cancelou viagem oficial para estar mais próxima das vítimas.

5. A comoção pública abriu espaço para a colaboração comunitária e, em instantes, foi criada a página http://facebook.com/somossantamaria . Por meio dela, os próprios usuários começaram a organizar a ajuda vinda de todos os cantos do mundo – de ofertas locais de hospedagem para familiares de fora de Santa Maria até doações de sangue.

6. A página, que somou mais de 3 mil fãs em horas, foi divulgada espontaneamente por diversos usuários – incluindo perfis pessoais e corporativos. A Coca-Cola, por exemplo, disseminou uma mensagem de luto – carregando nela elementos do seu logo – pela rede (vide imagem). Foi um dos primeiros (mas não únicos) casos de empresas que, efetivamente (e independentemente de qualquer boa intenção), pegaram carona na tragédia para aumentar a sua divulgação.

7. Em paralelo, a polícia anunciou estar utilizando as redes sociais para buscar testemunhas e agilizar todo o processo investigativo. Até o momento, esse processo já culminou nas primeiras prisões de integrantes da banda responsável pelo show pirotécnico que gerou o incêndio.

8. Agora, o público cobra ações concretas do Estado para que tragédias como essa jamais voltem a ocorrer. Infelizmente, esse tipo de cobrança realmente costuma ganhar espaço e efetividade apenas depois que vidas são ceifadas de forma tão desnecessária. Foi o que ocorreu quando a boate República Cromañón, em Buenos Aires (Argentina), passou por um incidente semelhante em 2004, vitimando 194 pessoas. A partir dessa data, o governo local passou a exigir mais sinalizações, menos tolerância das autoridades quanto aos limites de lotação e assim por diante. Nenhum outro evento semelhante ocorreu no país vizinho depois disso.

Tragédias geram diálogos; diálogos geram mudança

Esses oito pontos listados acima sintetizam o fluxo completo de um evento que realmente deve mudar o país sob diversos aspectos – do legal ao emocional. Tendo essa tragédia como pano de fundo, os cidadãos gritaram suas dores pelas redes, chamaram a atenção da imprensa nacional e internacional, se mobilizaram, viram marcas mesclarem boa ação a oportunidade de marketing e testemunharam as primeiras ações da polícia e do governo.

De certa forma, mesmo que com algumas intenções questionáveis, o fato é que absolutamente todos os representantes da sociedade – de vítimas a cidadãos que nada tinham a ver com o caso, de empresas a governo, de imprensa a políticos – participaram desse ciclo comunicacional. Todos sentiram que deveriam agir e intervir de alguma maneira, deixando as suas marcas em um processo que deve realmente mudar a forma com que o Brasil encara a segurança em eventos de todos os portes.

A grande sensação de impotência vem não apenas da impossibilidade de se voltar no tempo e evitar o incêndio, mas sim da certeza de que apenas tragédias como essa são capazes de mobilizar toda a sociedade e trazer mudanças.

É como se humanidade precisasse de caos para buscar a ordem; de desastres para garantir a segurança.

Infelizmente, é mesmo apenas de tragédia em tragédia que as sociedades vão mudando, se moldando e firmando os seus pilares – potencializados agora pela força das redes sociais que, mais do que qualquer outra ferramenta, aceleram a formação da opinião pública.

Entender essa espécie estupidez coletiva entranhada em nosso DNA é fundamental para que consigamos lidar não apenas com eventos do gênero, mas  também com as nossas próprias vidas pessoais e profissionais. É esse, afinal, o nosso mundo: feito exatamente à nossa própria imagem.

Fonte: Ricardo Almeida – IDGNow!

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